25/11/2007

Fila para comprar cultura



Confesso que fiquei confusa quando vi essas barracas de camping em Kensington, um dos bairros mais caros de Londres. Considerando minha herança brasileira, admito que a primeira palavra que me veio à cabeça foi sem-teto. Alguns segundos depois, no entanto, percebi que a correlação não fazia qualquer sentido. Apesar dos custos altos de moradia no Reino Unido, especialmente em Londres, praticamente não se vê pessoas nas ruas.

Qual a razão do protesto? Foi a segunda idéia e a primeira pergunta que fiz para dois rapazes que estavam perto das barracas. É uma fila para a compra de obras de arte do Royal College of Art (RCA). Sim, é verdade. Aquelas pessoas estavam desde sexta-feira acampadas na fila para participar da venda anual de cartões postais assinados por artistas, que ocorreria no sábado a partir das 8 da manhã.


Realizado desde 1994, o RCA Secret é uma exibição de arte contemporânea em tamanho de cartões-postais feitos por artistas profissionais, designers, ilustradores e recém-graduados no Royal College of Art. Cada cartão é vendido por 40 libras (cerca de R$ 160), mas o principal detalhe é que a assinatura do artista está na parte de trás do cartão. Ou seja, o comprador só sabe se comprou a obra de um artista renomado ou de um recém-formado depois de ter desembolsado o dinheiro.

É claro que, neste caso, os interesses cultural e financeiro estão misturados. Mas não deixa de ser mais uma prova da forte ligação do britânico com a arte. O British Museum acaba de divulgar que considera a possibilidade de abrir suas portas pela primeira vez por 24 horas diante da demanda pela exposição “The First Emperor” (“O Primeiro Imperador”). As filas para os 500 ingressos disponíveis por dia começam antes das sete e os tíquetes geralmente estão esgotados antes das onze da manhã. O número total de visitantes até abril, quando os soldados de terracota da Dinastia Qin (221-206 a.C.) voltam para a China, agora é estimado em 800 mil, mais do que o dobro da estimativa inicial. O museu antecipou para logo depois do Natal a abertura da exposição até meia-noite. Se a procura continuar grande, o museu está disposto a permanecer aberto 24 horas por dia pela primeira vez desde sua criação, em 1753.

22/11/2007

Risco de fraude e críticas ao governo

A notícia mais comentada nos últimos dois dias aqui na Inglaterra - além do fato de o país estar fora da Eurocopa de 2008 depois da derrota para a Croácia - é a perda dos dados de 25 milhões de pessoas pelo departamento do governo responsável por impostos e pela alfândega. Dois CDs com informações confidenciais de 7,25 milhões de famílias que recebiam benefícios por terem filhos com até 16 anos de idade foram perdidos ao serem enviados por uma empresa privada para outro departamento do governo. Os arquivos continham dados como nome, endereço, data de nascimento, números da previdência social e contas bancárias.

Embora ainda não haja provas de que os dados tenham caído na mão de criminosos, o risco de fraude tem levado britânicos aos bancos para mudar senhas e alterar números de contas bancárias. Os bancos pediram aos clientes para monitorar com atenção e reportar qualquer irregularidade.

A responsabilidade tem sido atribuída pelo a um jovem funcionário, mas a mídia britânica não tem poupado criticas ao primeiro-ministro Gordon Brown, que esteve ontem no Parlamento para explicar a crise. Ele lamentou profundamente a perda dos dados e disse que o governo está tomando todas as ações necessárias para resolver o caso. Os jornais defendem que Brown assuma parte da responsabilidade pelo ocorrido, já que há indícios que funcionários mais graduados tomaram conhecimento do caso.

O caos coloca em cheque ainda um projeto do governo para a criação de um amplo esquema de registro da população e de uma carteira de identidade. Os críticos questionam como o governo garantirá à população que seus dados serão protegidos. O assunto promete se estender por muito tempo....

20/11/2007

Tributo ao jazz



Londres está dominada pelo jazz desde a última sexta-feira. É claro que pela diversidade da capital britânica sempre sobra espaço para outros cultos (como o BBC Good Food Show), mas o estilo certamente é destaque por causa do London Jazz Festival.

Realizado desde 1993, o festival é data marcante na agenda da cidade. Novatos e veteranos e famosos e menos famosos do gênero enchem os centros culturais, com uma grande oferta de atrações gratuitas, uma maravilha para economizar as caras libras.

O frio e a chuva do outono – cada vez mais com cara de inverno, com temperaturas em torno de zero grau – embalaram os primeiros dias do festival. A surpresa para mim até agora foi Beth Rowley, com um vozeirão firme e apaixonante. Sua família é de Bristol, mas ela na verdade nasceu no Peru e voltou para a Inglaterra com dois anos de idade.


Minha maior emoção, no entanto, foi o tributo pelos 90 anos de nascimento da diva do jazz Ella Fitzgerald, “We all love Ella”. Tive o prazer de assistir a um dos shows mais anunciados do festival, com a participação da BBC Concert Orchestra e oito espetaculares cantores da nova geração do jazz. Minha vontade era que a noite não acabasse...

A boa notícia é que vocês podem curtir um pouquinho desse festival aí do Brasil (ou de qualquer lugar, na verdade). A BBC Radio 3, patrocinadora oficial do evento, está transmitindo os shows em sua programação, também está disponível pela internet. A homenagem à Ella Fitzgerald, por exemplo, será transmitida amanhã, quarta-feira, às 19h (17h pelo horário de Brasília) e ficará disponível no site da rádio por sete dias. Quem quiser assistir a trechos da apresentação terá que esperar um pouco mais: os vídeos estarão na internet a partir do dia 3 de dezembro.

17/11/2007

Degusta, Londres



Um lugar simplesmente sensacional para os amantes de comida e bebida. Tudo bem, é um super clichê, mas o BBC Good Food Show foi realmente uma experiência maravilhosa e mais uma prova das vantagens de morar em uma cidade com tantas opções culturais como Londres. Mais de 200 expositores de alimentos, bebidas e utensílios de cozinha reunidos no centro de convenções de Kensigton Olympia fazem o Degusta Rio parecer uma brincadeira de iniciante.



Além dos expositores (e suas devidas 'provinhas'), a feira oferece aulas com chefs renomados, cursos de vinho e uma praça de alimentação com estandes dos melhores restaurantes de Londres. Ou seja, você pode provar por meras 5 libras pratos que custam pelo menos quatro vezes mais nos restaurantes estrelados. Minha escolha foi um camarão com pimenta negra do tailandês The Blue Elephant. Inesquecível.
Alimentos orgânicos, queijos de infinitos tipos, geléias e vinhos se destacaram entre as melhores alternativas. Ainda era possível encontrar azeites, pães, bolos, chocolates, licores, uísques ... Enfim, opções para todos os gostos e os londrinos aproveitaram para estocar para o Natal. Todos compraram muito e carregavam sacolas cheias.


Mas o charme especial da feira eram os porta-taças, vendidos por 6 libras (cerca de R$ 24). Uma pequena bolsa para pendurar no pescoço com lugar para guardar a taça de vinho. A cada estande, o visitante mostrava a taça e era devidamente recompensado com uma prova da bebida. Como a tentação é grande, um cartaz avisava: beba com responsabilidade. Cheers!

13/11/2007

Goodbye Waterloo, Hello St Pancras

É com esse slogan que a Eurostar - empresa responsável pelo serviço ferroviário que liga o Reino Unido à Europa - tem anunciado o início da operação de seu novo terminal, o St Pancras International. A nova estação foi inaugurada oficialmente semana passada pela Rainha Elizabeth, mas os trens começam a operar a partir do terminal amanhã, dia 14 de novembro.

Foram onze anos de obras e um investimento de 5,9 bilhões de libras (quase R$ 16 bilhões) na reforma do terminal e em um novo sistema que permite a redução em cerca de 20 minutos da viagem entre Londres e o continente através do Canal da Mancha.

A velocidade de 186 milhas por hora ainda é inferior às 200 milhas do TGV francês, mas permitirá chegar a Paris em apenas 2 horas e 15 minutos e a Bruxelas em 1 hora e 51 minutos. O caos aéreo – sim, ele também atormenta a Europa -, tem sido um dos principais motes da campanha da Eurostar. “Ontem passei mais tempo no aeroporto do que avião”, diz a mensagem no outdoor.

As passagens de ida e volta para Paris e Bruxelas custam a partir de 59 libras (cerca de R$ 160) e certamente são um convite para um fim-de-semana na Europa. Ficou interessado? Entre no site e planeje sua viagem (www.eurostar.com).

Aliás, antes que me perguntem se o Reino Unido não fica na Europa, vou esclarecer. Esta é apenas a maneira que muitos britânicos falam quando se referem ao continente, como se não fizessem parte dele. Resquícios do império...

09/11/2007

Papoulas vermelhas e o Iraque

De um dia para o outro papoulas vermelhas começaram a aparecer na lapela dos ingleses. Na televisão, no supermercado, nos pubs. Quase todo mundo ostentava uma pequena flor e confesso que me senti totalmente desinformada por nao ter a minima ideia do que se tratava. Meu primeiro apelo para saciar a curiosidade foi parar um senhor na rua e daí correr para a internet.

O adereco passou a ser usado no mês de novembro em homenagem aos mortos da Primeira Guerra Mundial, que acabou no dia 11 de novembro de 1918. O Dia da Lembrança ou do
Armistício é comemorado no domingo mais próximo do dia 11. As papoulas fazem referência as flores que cresciam nos campos de cereais de Flanders, onde muitos soldados britânicos perderam a vida.
É claro que as homenagens passaram a se estender aos mortos de todos os demais conflitos que o Reino Unido esteve presente desde o século XX, como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra das Falklands (ou das Malvinas, dependendo de quem cita o conflito) e agora a invasão do Iraque.
A guerra é uma realidade muito próxima do país, que sofreu ataques aéreos diários e racionamento de comida durante a Segunda Guerra, por exemplo. A invasão do Iraque e a morte de mais de 170 soldados britanicos desde marco de 2003, no entanto, tornam o tema ainda mais atual.
A participação da Inglaterra na Guerra ao Terror liderada pelos Estados Unidos será certamente a lembrança mais forte na história de mais de uma década do ex-primeiro ministro Tony Blair no poder e a principal razão para a perda de sua popularidade nos últimos anos. Pesquisas mostram que os ingleses consideram que a presença do Reino Unido no Iraque tornou o país mais vulnerável a ataques terroristas como os que ocorreram em 7 de julho de 2005.
Certo da importancia política do tema, o primeiro-ministro Gordon Brown vem se movimentando para reduzir a participação do Reino Unido na ocupação do Iraque. Em setembro, a base que o exército britânico mantinha na cidade de Basra foi devolvida, e em outubro Brown anunciou no Parlamento que até o começo de 2008 deve reduzir o número de soldados britânicos pela metade no Iraque, para cerca de 2.500. Mas a volta de todos os soldados - e uma fase sem conflitos para o país - ainda está longe de se tornar uma realidade.